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sábado, 2 de outubro de 2010

Tempo, por Samara Klug - By Vou Casar !


fotografia by Patrick Demarchelier

De um tempo pra cá, o tempo mudou seu tempo... Não sei se é fenômeno que ocorre somente na cidade grande, mas o que vejo é de tirar o fôlego. As pessoas deixaram de "existir". Hoje em dia, elas apenas "correm". Viraram sinônimos estas palavras, correr e existir? Ora, observe uma destas páginas de relacionamento (Facebook, Orkut, etc.) onde velhos conhecidos se perguntam o que têm feito. Acredito que em outros tempos, a resposta poderia se resumir a "vivendo". Hoje, a resposta é "correndo". Mas não basta. Ainda vem acompanhada de um adjetivo que reforce, como muito ou bastante. Observo isso.
A tecnologia veio para nos ajudar, para nos aperfeiçoar, para nos dar tempo. E parece que há hoje uma fome de fazer. Como se fosse pecado ficar sem fazer nada. Olhar o pôr do sol, ler um livro, ou, até, não fazer nada. Ao invés de ser um luxo, virou vergonha. E no consultório vejo isto afligir os pacientes. Eles chegam e saem correndo, falam correndo e querem, da mesma forma, resolver seus problemas correndo. Pressa de que? Aonde querem chegar? Desejam realizar alguma coisa, além de um imenso vazio existencial? Digo isso pois o vazio é diretamente proporcional à correria. Afinal, correndo estamos realizando mais?
Vivemos em tempos de rapidez, soluções imediatas. Está na hora (vejam, o tempo se manifesta novamente!) de nos preocuparmos com qualidade, com profundidade, com proveito. Que graça tem um almoço com um amigo, enquanto a cabeça se preocupa incessantemente em não perder a hora para o próximo compromisso? Aproveito a terapia, se me preocupo com o trânsito que vou pegar ao sair de lá? Mato as saudades dos amigos ao escrever um e-mail sem dedicação?
O que acontece é que a mesma rapidez com que nos comportamos se transfere para o plano emocional. Poucos conseguem, ainda, sentir com convicção. A praticidade não permite. Sentimo-nos sozinhos? Há sempre alguém conectado. Alguém se lembra dos tempos em que na solidão da madrugada, parecia não haver mais ninguém acordado no mundo? Pois ligue o computador, mande o torpedo. Tudo continua funcionando... Mas isso resolve? Certamente não. Ou, imediatamente, pode parecer que sim. Mas não estamos livres da ressaca emocional do dia seguinte.
Da mesma forma supérflua, vamos ao médico, e diante de um diagnóstico corremos para levantar as informações racionais acerca dele. De onde surgiu, como, qual o prognóstico, tratamento, etc. Informações cabíveis e necessárias, que temos o privilégio de acessar mais do que nunca. Mas ninguém quer pensar sobre medos, ansiedades e outras conseqüências deste diagnóstico, emoções pessoais e intransferíveis.
Como coisas, relações se tornaram descartáveis. Fugiu um pouco do ideal? Lixo. Próxima pessoa! Não existe assim tempo nem espaço para construção, crescimento. Podemos comparar isso a comprar uma banana verde na feira, e ao olhar pra ela jogar fora, concluindo que não serve. Perdemos a oportunidade de esperar, conhecer, amadurecer.
Reparo que a maior parte das pessoas que não consegue parar nem em uma viagem de lazer. Pressa pra ir, pra voltar, pra ir ao ponto turístico. Não dá tempo de ir aqui ou ali. O que aconteceu com a melhor parte da viagem, que era se perder em locais desconhecidos, observar a cultura e beleza local, seu povo, modo de vida, saborear a comida (e não um fast food)? Acabam todos voltando à rotina mais cansados do que saíram, pois até o lazer fica esmiuçado diante de um relógio.
Alguns pacientes tentam correr durante as sessões para fazer um relato do que fizeram a semana inteira, enquanto tento interrompê-los para lembrar de que podem e devem respirar no meio disso para se perguntar como é que se sentiram diante de tais fatos, ou como lhe faz sentir falar nisso agora. Então a correria e imediatismo agora nos toliram o direito e vontade de pensar e refletir? Não estamos, então, mais existindo? Ou a frase era "Corro, logo existo"? Podemos tentar também "faço, logo existo". A cultura do fazer. Quem faz mais- em menos tempo. Para que mesmo esta competição?
Houve um tempo em que avistar grande trânsito me incomodava. Afligia-me vendo os minutos passando, de dentro de meu carro. Aos poucos fui percebendo que não tenho controle de tudo, principalmente do trânsito. Entendi que eu tinha duas opções: ou ficava angustiada lamentando, ou aproveitava para cantar aquela música que tanto adoro ou então conversar com quem está ao meu lado.
No caso específico dos noivos, estes se estressam com a correria e a expectativa de perfeição. O tempo contado para o preparo de um evento ideal. O que torna um evento único não são apenas as invenções, mas as imperfeições, que são prova de humanidade. Quando idealizamos este dia, com cada detalhe, esquecemos de levar em conta que outras pessoas estão envolvidas neste preparo, e que idêntico ao que pensamos não será. Pode sair até melhor, mas idêntico não. Não podemos prever o comportamento dos convidados, por exemplo. E isso tem a ver com o resultado do evento também. Então, perguntam-me, o que fazer? Como garantir? Garantias não há. O melhor que se pode fazer é aproveitar cada fase. Embora seja normal contar os dias para a realização do sonho, muitos não entendem que os preparativos fazem grande parte do resultado. Correr desesperadamente, brigar com todos, se descabelar... Tudo isso entra no balanço final do sucesso do grande dia- mas isso só se percebe depois. Seu casamento não tem que ser melhor do que o de ninguém; ele só tem que ser SEU CASAMENTO, seu dia, especial pra você. Uma comemoração de uma vida inteira, que simboliza que agora terão, juntos, todo o tempo do mundo para continuar celebrando o amor.
Sugiro, a cada um, um tempo. Um tempo para si próprio. Um tempo pra ouvir uma música que goste e ficar lembrando o passado, pensando no presente ou sonhando com o futuro. Ou, quem sabe, uma música que não nos faça pensar em nada. Apenas ouvir. Um demorado banho de banheira, sem relógio por perto. Um livro daqueles que nos prende, sem que nos importemos com a hora de dormir, e sim com o final da história. Um tempo para os outros. Um encontro com bons amigos, sem hora para terminar. Que as noivas possam se olhar no espelho calmamente durante a prova do vestido, sem correr pro trabalho em seguida. E que os casais se lembrem do tempo em que eram apenas namorados, num jantar onde falem sobre seu amor, seu passado, seus sonhos, sem discutir o sinteco do apartamento novo, o orçamento de floristas. Namorem. Aproveitem os últimos dias ou meses de namorados. Aproveitem a folga de morar na casa dos pais, comida na mesa, roupa lavada sem ter que fazer compras ou pensar em qual será o almoço ou quem irá prepará-lo. Sugiro um final de semana inteiro sem o relógio. Coma quando tiver fome, durma quando tiver sono. O mundo é cheio de regras e responsabilidades, mas feliz é aquele que consegue transitar entre os momentos de obrigações e aqueles em que nosso único dever é relaxar, aproveitar, ficar bem, priorizando a qualidade versus quantidade de tudo aquilo que cumpre.
SAMARA KLUG

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