ALL YOU NEED IS LOVE !

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Flavio Gikovate fala sobre casamento - By Vou Casar !

imagem via lovely things

Falar de casamento também significa ter de separar casamento de amor. Pode parecer ingenuidade de minha parte falar isso, mas na cabeça das pessoas, notadamente na dos jovens, amor e casamento não se separam. E mesmo nas cabeças mais adultas, o amor intenso pede casamento, o que ainda é entendido como um compromisso sólido, estável e de coabitação entre duas pessoas.
De fato, amor e casamento também têm de ser claramente separados em duas categorias: o amor é uma emoção e o casamento é uma instituição – derivada do amor há muito pouco tempo e, aliás, não com resultados brilhantes. Nos tempos em que o casamento derivava de outras causas que não o amor (arranjos racionais entre famílias), parecia ter um número maior de bons resultados; isto, sem dúvida, requer a necessidade de revermos os termos do que acontece quando adolescentes e adultos jovens se encantam emocionalmente. E aí entramos em um outro problema fundamental: o encantamento. O que faz com que uma determinada pessoa, em um dado momento neutra para mim, se transforme repentinamente em um ser especial, único, sem o qual não posso mais viver? O que provoca essa mágica? Esta pessoa seguramente será uma figura que substituirá a materna; mas, na minha opinião, ao mesmo tempo nada tem a ver com a mãe. Será que sempre escolhemos as pessoas ou os objetos amorosos adultos de acordo com algum problema que tivemos com ela?
Ao se falar, por exemplo, que um homem escolhe a mulher conforme a imagem e semelhança da mãe quando teve uma boa relação com ela, não se está esclarecendo nada: ele escolhe a mulher parecida com a mãe ou o oposto dela porque todas as mulheres do mundo são parecidas ou opostas a ela. Será que sempre escolhemos os objetos amorosos adultos de acordo com algum problema que tivemos com ela? Ao se falar, por exemplo, que um homem escolhe a mulher conforme a imagem e semelhança da mãe quando teve uma boa relação com ela, não se está esclarecendo nada: ele escolhe a mulher parecida com a mãe ou o oposto dela, porque todas as mulheres do mundo são parecidas ou opostas à sua mãe.
Esse tipo de explicação não leva a lugar algum; então é muito perigosa essa relação entre os eventos infantis e as coisas adultas; aliás, tenho um certo pavor a esse tipo de raciocínio – tão ao gosto de muitos profissionais de psicologia – que nos leva a imaginar que o adulto se transforme dessa ou daquela maneira por causa de certo trauma. Tantas pessoas transformaram-se do mesmo modo e não tiveram o mesmo trauma. É preciso um espírito um pouco mais rigoroso e científico. O fato de a explicação ser lógica e bonita não garante a sua veracidade. Para tal, precisamos usar critérios um pouco mais apurados.
Não quero ser exageradamente behaviorista (a minha especialidade é basicamente psicanalítica), mas tenho formação médica e, nesse sentido, muito rigorosa: acho que conceitos têm de ser comprovados e não simplesmente ser bonitos. Em psicologia, as pessoas fascinam-se mais com a estética do que com a verdade. O fato de o conceito ser bonito, lógico e harmonioso parece agradar mais do que se fosse verdadeiro. A busca da verdade parece ser um caminho muito pouco percorrido nesses últimos tempos. Indubitavelmente, é preciso buscá-la. Caso contrário, chegaremos a um amontoado de conceitos pouco úteis, o que resulta, até mesmo, em um certo desprestígio profissional perante algumas pessoas e notadamente na área médica, dada a visão pouco objetiva e de maus resultados na prática.
Sobre o amor adulto, penso como Platão, que, aliás, é um dos autores mais fascinantes a tratar essa questão (trabalhou esse tema em alguns de seus diálogos mais lindos, O Banquete, Fedro e um diálogo sobre a amizade, que se chama Menon); para ele, na vida adulta, o amor deriva da admiração. Portanto, o encantamento se dá porque o indivíduo admira no outro algo muito especial, que, evidentemente, vai depender dos seus próprios critérios de admiração, os quais são variáveis dependendo da época e também em função da própria auto-estima. Apenas para vocês terem uma idéia do que estou querendo dizer: quando o indivíduo tem de si um juízo negativo, a tendência para o encantamento pelo oposto é quase inevitável. Este acaba por determinar um tipo de encantamento que talvez seja muito interessante em certos aspectos; mas do ponto de vista prático, ou seja, daquilo que o casamento tem de concreto, vai implicar relações catastróficas – pelo menos atualmente.
Hoje em dia, existem algumas diferenças em relação ao que era no passado, onde o homem "dava as cartas" dentro da relação conjugal; as mulheres obedeciam e pronto! Na atualidade, os dois pensam. E assim sendo, é evidente que afinidades intelectuais, de pontos de vista, projetos de vida e objetivos transformam-se em coisas fundamentais, porque garantem a harmonia. Diferenças acabam por determinar brigas, tensões e contradições de todo o tipo – tanto que hoje é difícil imaginar que o casamento possa existir e funcionar bem, a não ser quando baseado em afinidades.
Isso não foi sempre assim, e o próprio Freud defendia a idéia de que as boas ligações afetivas eram entre opostos. Em Introdução ao Narcisismo, ele afirma isso e acha até que se ligar a pessoas afins é uma expressão narcisista, o que quer dizer que a pessoa tem amor por si própria e só consegue amar alguém parecido consigo mesma. Na realidade, não vejo assim. O indivíduo que estiver satisfeito com o seu jeito de ser tende a achar graça em pessoas semelhantes a ele, sem isso significar narcisismo ou ausência da capacidade de amar a terceiros, mostrando claramente boa aceitação em relação à sua pessoa. Se gosto de conviver com alguém meigo, calmo, educado, não-agressivo e generoso, não há razão para chamar isso de narcisismo, a não ser como o jogo de palavras que, a partir de um certo ponto de sua obra, visava a busca da coerência com a teoria (o que, na minha opinião, era um dos grandes problemas de Freud). Quer dizer, ele já estabelecera o conceito de narcisismo, que significava amor por si mesmo – o que, aliás, também não é o meu ponto de vista.
Para mim, os narcisistas, com esse temperamento mais egoísta que lhes é peculiar, são pessoas que na verdade se odeiam, têm de si um péssimo juízo. Sabem que são um blefe! Uma mentira! Então, também não há amor por si mesmo no narcisismo: ele é um jogo de faz-de-conta, onde as pessoas agem como se fossem extraordinárias, sabendo que não o são. E não querem que ninguém saiba a verdade. O encantamento por opostos parece-me basicamente um sinal de baixa aceitação de si mesmo. Há uma outra razão que leva as pessoas ao encantamento pelo oposto, que tratarei mais adiante.De qualquer modo, o amor deriva da admiração e pode se dar entre todos os tipos de pessoas. Posso encantar-me com quem nada tem a ver comigo. Agora, com relação ao casamento, se tal encantamento se der apenas porque a amo e as diferenças existirem como um fato marcante, provavelmente irão minar e destruirão a relação afetiva e o próprio casamento em pouquíssimo tempo.
Há estudos interessantes feitos nos Estados Unidos. Americanos são o oposto dos psicanalistas: eles medem e pesquisam tudo, tornando-se objetivos até demais em certos aspectos. Estudaram pessoas, por exemplo, que se casaram menos apaixonadas mas segundo critérios racionais de afinidade, ou seja, um casamento racional – mais ao gosto de nossos avós. O sentimento era menor em uma primeira fase, mas, no final de cinco anos de vida em comum, as relações afetiva, conjugal e amorosa cresceram. Pessoas com um bom relacionamento apegam-se umas às outras. Por que não haveria um avanço do aconchego e da boa qualidade afetiva com o passar do tempo? Ao contrário, as que se casam apaixonadas, mas ricas em diferenças fundamentais – de caráter, estrutura, projeto de vida – cinco anos depois, aproximadamente, divorciam-se.
Portanto, não basta que elas se amem para que o casamento perdure. Casamento é um assunto diferente de amor; ele também exige afinidades práticas por ser uma sociedade civil, uma instituição para fins práticos. E se não for respeitado esse lado prático, lógico e objetivo, as coisas não evoluirão favoravelmente, o que significa acabarmos efetivamente com a idéia de que o amor tem de estar em oposição à razão. Ambos têm de andar juntos para que o casamento não aborte. Aliás, é preciso olhar com objetividade para os fatos outra vez. Aproximadamente 90% dos casamentos são fracassados em menos de sete anos. Com relação ao número de divórcios, possivelmente ele seja menor.
Portanto, é preciso saber que o casamento é uma empreitada de alto risco e, portanto, torna-se necessário que a razão dela participe. Aliás, o desprezo pelo lado racional do ser humano é a outra face da modernidade psicológica, em que o importante é sentir e não mais pensar. É querer que o humano seja subumano. Não aprovo o oposto: as pessoas querem que o humano seja sobre-humano, pronto para a caridade, a renúncia, o sacrifício integral. Mas também não gosto do desprezo pela razão, que faz o homem parente próximo demais do macaco. Existe um lugar nessa escala para nós. Não somos macacos e nem santos. Há um ponto intermediário no qual podemos ficar e com a razão absolutamente em ação e funcionamento.
  

Nenhum comentário:

Postar um comentário